Brasil Crónicas 12
Poder local
A indignação dos populares manifesta-se, em regra, de forma irracional e emotiva. Se não como explicar que populações chamuscadas pelos fumos das celuloses e encarvoiçadas da fumaça dos aterros a céu aberto venham para a rua gritar contra a co-incineração quanto tem a roupa a cheirar a couves podres e os riachos a babar ranho verde das descargas dos curtumes? No Brasil a indignação popular é também irracional mas mais criativa.
A indignação dos populares manifesta-se, em regra, de forma irracional e emotiva. Se não como explicar que populações chamuscadas pelos fumos das celuloses e encarvoiçadas da fumaça dos aterros a céu aberto venham para a rua gritar contra a co-incineração quanto tem a roupa a cheirar a couves podres e os riachos a babar ranho verde das descargas dos curtumes? No Brasil a indignação popular é também irracional mas mais criativa.
No estado de Salvador a população de uma terriola reclamava há muito a reparação da estrada e a construção de bermas; fartos que estavam da lama, do pó, das imundices. Não havendo à vista resolução para o caso , os populares passaram à acção directa. Não se contentaram apenas com o clássico corte da estrada. Não. O resto do piche (alcatrão) foi arrancado. Não há bermas? Então também não há estrada! Aproveitaram ainda a ocasião para, num gesto cheio de significado, plantar hortaliças nas bermas e na própria estrada! Haja acção popular radical! Haja hortaliça fresca!
Outro caso teve algum destaque no jornal A Tarde que como está bem de ver é um matutino. No serviço de reclamações da empresa que fornece a Internet à cidade da Baía (em regime de arrogante monopólio) amontoavam-se dezenas de pessoas. Tudo isto se passava num décimo andar de um prédio no centro. As queixas eram muitas e variadas: cobranças abusivas, interrupção do serviço sem motivo aparente, sobrefacturação, envio de facturas a pessoas sem Internet nem computador. Um florilégio de incompetência vagamente familiar. Tal como cá o utente que deslinde, que esclareça e que resolva os problemas da incompetência alheia. Imaginem o calor tropical e a lentidão de rigor nestas ocasiões. Ao meio-dia a única funcionária fez menção de ir almoçar e deixar o povo ali literalmente à seca. Aí os ânimos exaltaram-se. Um dos utentes, qual Spartacus contra a opressão e a arbitrariedade, ameaçou a moça. Spartacus agarrou no computador e jogou-o pela janela num gesto forte de justiça popular mas pesado de consequências, nomeadamente cá em baixo para os passantes. Estamos, portanto, longe do conformismo, da retórica impotente e da ameaça vazia do clássico nacional: “Agarrem-me que o desgraço”. Os seguranças que ocorreram (no Brasil há sempre muitos seguranças, guardas, controladores em todo o lado de uniforme e mais ou menos armados que tanto correm como ocorrem) foram barrados pela multidão em estado de inebriamento colectivo. O Spartacus, responsável pelo inovador lançamento informático (a Microsoft que se acautele) conseguiu escapar numa daquelas cenas que costumamos ver nas telenovelas onde se grita: Foge, foge! e Pega ladrão, pega ladrão! de forma interpolada. Deve ter sido magnífico.
Eu proponho esta mesma abordagem nas nossas repartições. Seria uma forma de implementar com celeridade o Simplex. Para evitar ponderáveis e outros objectos em descida veloz sem advertência cada ministério deveria colocar grandes cartazes nas fachadas: “Cuidado eventual derrocada de material de escritório” ou até “Cuidado! Um funcionário em queda livre pode esconder outro”. Estaríamos tão só a reavivar uma velha e bonita tradição de defenestração iniciada em 1640 em Lisboa. Há tradições como esta, tão bonitas, que se estão a perder. E é pena!
Cenas dos próximos capítulos: Jesus me livrou da insónia, mas também do bruxismo
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial