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de todo mal que se disse só pecou quando foi brando

30.9.06

Brasil Crónicas 9

Literatura de cordel

Há uma literatura injustificadamente esquecida pelo grande público português, mas que, graças a Deus, graça a Deus! no Brasil está viva e pujante. Falo, obviamente, da literatura de cordel. Não é pop, nem light, nem cor-de-rosa. É mesmo de cordel, que se assume como tal como indicado nas capas. A mítica editora Luzeiro de S.Paulo é, neste suculento género uma luz rutilante no panorama literário. Os títulos são grandes projectos estéticos: “Os prantos da Cacilda e a vingança do Raul” (numa curiosa ambiguidade de causa e efeito. É o pranto que leva à vingança ou a vingança que desagua no pranto?). A Editora Luzeiro aposta forte nos sofrimentos: O papagaio misterioso e o sofrimento de Jobão, O sofrimento da Alzira, ou Os sofrimentos da Célia ou as três espadas das dores. Num grau mais acima há os martírios (da Genoveva, de uma mãe) ou os confrontos: Peleja do Zé Pretinho com Manuel Ralhão, Peleja do Cego Aderaldo com Zé Bico Doce, o rei da Malandragem. E figuras que embora desconhecidas nos são de alguma forma familiares: como A Filha louca do Jardim ou A Moça que casou 14 vezes e continuou donzela. A coleccção para adultos da editora têm um nome verdadeiramente bestial na verdadeira excepção da palavra. É a injustamente desconhecida Colecção Mulher Égua com clássicos como Chifre com chifre se paga, D.Sarita e os seus três machos (talvez a versão hardcore da D. Flor de Jorge Amado, A moça que meteu o diabo no inferno e, finalmente, um clássico seguramente inspirado na alegoria da caverna de Platão ou mesmo de Saramago de sugestivo nome Buraco quente não conhece feriado.
Mas, a literatura de cordel não se limita apenas a títulos chamativos. São também histórias classificadas por géneros: Romance, Bravura, Sofrimento, Amor, Astúcia, etc, em deliciosos versos (na maioria sextilhas). Ora vejamos por exemplo, assim ao calha, a Escrava do Destino cujo tema é o sofrimento e garante na introdução “história comovente e emocionante cheia de episódios arrebatadores, mostrando com nitidez a força do divino mestre". No preciso momento em que Doroteia, cheia de volúpia, se está entregando pela primeira vez a seu apaixonado...

... tem um desprazer
Quando isso aconteceu
Porque quando o tal moço
Em beijos lhe envolveu
Deu-lhe um colapso cardíaco
Nos braços dela morreu!


Morreu nos braços da jovem
Depois de a ter desonrado

O que denota um domínio perfeito do ritmo narrativo e da noção de timming do moço. Mais a frente este perturbante episódio, não só para nós como para a própria Doroteia, é referido como: Espichou todos os couros num escabroso horror.
Mas não julguem que são as mulheres que erram por andar enroladas com homens de coração fraco, pois no livro Como ser feliz no casamento cujo tema é a inesperada combinação de Amor e Sofrimento lá está a útil advertência:

O rapaz também às vezes
Ama uma mulher perdida,
Jogada nos lupanares,
Uma infeliz esquecida
Da flor da sociedade,
Completamente banida

Toda a colecção (como a maravilhosa história do Conselheiro Nu de Lampião) se encontra à disposição no melhor sebo (alfarrabista) com a certeza de provocar no leitor uma raiva estupenda e uma amizade horrenda.




Cenas dos próximos capítulos: Desde os tempos do "Sobe, sobe balão, sobe da Manuela Bravo" que não se via uma coisa assim!

1 Comentários:

Às segunda-feira, 06 novembro, 2006 , Anonymous Anónimo disse...

Trabalho na Editora Luzeiro. Sou selecionador de textos para publicação e tenho vários folhetos de cordel editados por esta casa. Fico feliz de ver os clássicos do nosso cordel na terra que forneceu os primeiros temas aos nossos poetas, como as adaptações da Histórias de Zezinho e Mariquinha e João Soldado.
Parabéns.

 

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