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de todo mal que se disse só pecou quando foi brando

23.9.06

Brasil Crónicas 2


Garota Solitária

Caros amigos, como é do conhecimento geral, o Brasil é, música, muita música. Tem bossa-nova e samba, tem timbalada e forró Mas, para além dos clássicos e do que está a dar no momento há tesouros escondidos da música brasileira votados ao esquecimento. Como compreender o desconhecimento geral sobre Elizete Cardoso, enquanto que os povão trauteiam Daniela Mercury em forma de aulas de aeróbica (você abusou, flecte, flecte, tirou partido de mim, insiste, insiste)? Injustiças. É meu dever mostrar que há mais árvores na mata atlântica. Após avisado conselho de uma amiga fui em busca das pérolas injustamente esquecidas da música popular brasileira. Ôpa, meus amigos as pérolas que encontrei dão para um colar de três voltas. Trouxe as obras completas da Carmen Miranda, descobri Noel Rosa, Cauby Peixoto e o melhor da saudosa Celly Campelo no género chá-chá-chá para adolescentes desmioladas em conflito com as mães (mamãe me repreendeu e quase me bateu, em casa me prendeu a noite a estudar). A mãe é uma constante, figura autoritária, condenando todas as actividades nocturnas subversivas da Celly como namorar ou banhos de lua. Celly inaugura assim a canção de protesto desengajada, isto é sem gajo. Há ainda muitos clones da saudosa Celly à solta nas festas a dançar forro. São umas betas (serão mauricinhas?), geralmente cariocas e paulistas em férias no Nordeste. Continuam a arrumar o cabelo como nos sixties. Usam e abusam de cai-cai e tops de elástico em favos. Ousam as saias de ganga apertadinhas e enfrentam o mundo de sandálias de prateleira que deixam os dedos dos pés com vertigens. São, tal como Celly, as mesmas garotas em busca de namorado e banhos de lua, desafiando a autoridade maternal.
Mas, a minha canção favorita é, sem dúvida, Garota Solitária de 62 pela incomparável Ângela Maria. Esta garota não é tão linda e cheia de graça como a prima de Ipanema mas merece a devida divulgação. Garota Solitária começa, e bem, ao ritmo de rumba:
Esta noite chorei tanto, sozinha, sem ninguém
Por amor todo o mundo chora, um amor todo o mundo tem.
Eu, porém, vivo sozinha, muito triste sem ninguém.

Logo, rápida Ângela Maria ataca no refrão em grito de angústia existencial: Será que eu sou feia? Ao que o coro responde tranquilizador: Não é não senhor! A garota solitária cheia de esperança pergunta por exclusão de partes: Então eu sou linda? Ao que o coro responde de forma piedosa: Você é um amor. A garota solitária insiste desalentada: Respondam então porque vivo eu só sem ter um bem? E o coro agarra-se ao paradoxo poético: Você tem o destino da lua, que a todos encanta, e não é de ninguém.
O coro repete a última frase várias vezes batendo em retirada. Posto isto, a garota solitária repete em transe: Não sou de ninguém, não sou de ninguém. Meus amigos, é desta massa que são feitas as tragédias gregas!
Eram outros tempos com canções cheias de mensagem no subtexto. Actualmente, em todas as rádios há uma doida a gritar, Ivete Sangalo, ou Sangacho tal é o nível:
O seu amor é canibal. Agora eu sou feliz
O seu amor é canibal, meu coração virou todo Carnaval
Longe vão os tempos da angústia existência da Ângela Maria. Apenas uma última nota. Lamentavelmente não encontrei discos da Vanderleia, outra starlette dos 60. Com um nome destes deve ser um programa estético completo. Só pode.


À falta da Vanderleia pode ver as (ou os?) Pecombo a cantar (?) Noites de Ipanema

Cena do próximo episódio - ... mas quando fiz a travessia para o Morro e caiu uma trovoada, bem... foi aí que eu disse: Abílio, afinal Deus existe!

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