Brasil Crónicas14
Quando novela era Gabriela
Vocês lembram-se da Gabriela (link para ouvir Gal Costa) ? Quem não se lembra? (pergunta enfática). Todos os que usaram calças à boca-de-sino, socas e camisolas de bico agarradinhas ao corpo e com o cós no umbigo (resposta cruel à pergunta enfática). Em tempos de Morangos e o seu sucedâneo Floribela, é difícil imaginar o impacto da primeira telenovela brasileira no Portugal ressacado da revolução e cansado de agitar as massas. Por uma vez o país parava e não era uma greve geral ou um apelo “todos ao Rossio!”. Foi o primeiro sinal de que o povo saía da rua e regressava ordeiramente a suas casas. A telenovela Gabriela teve um efeito verdadeiramente devastador. Desde aí que ficámos agarradinhos a tél-visão (era assim que se dizia).
Os meus colegas deixaram crescer um arremedo de bigodinho à Tónico Bastos e passeavam-se com um ridículo míni-pente para ajeitar a penugem. As colegas capricharam subitamente no penteado da franja com duas grandes vírgulas a copiar a Malvina (a rebelde) mas no fundo continuavam umas Gerusas (obediência e recato pós-revolucionário).
Na aldeia os tios da burguesia rural falida tratavam-se por coronéis (a mesma pança, mas menos cacau). As tias beatas comentavam com deleite as fantasias eróticas e místicas da D.Sinházinha na capela de S.Sebastião e os erotismos fantasiosos e menos místicos da mesma Sinházinha com o Senhor Padre (com mais corpo e menos martírio). As casas de meninas não eram de alterne mas sim Bataclãs. E os nossos namoros no liceu tentavam copiar os beijos lambuzados do Seu Nacib com a Gabriela (link para ouvir Gal Costa - Sou Louco). Namoros que acabavam sempre em desquite e não em rompimento ou separação. Eram mais dinâmicos e menos traumáticos. A novela baseada no romance de Jorge Amado passava-se nos anos vinte em Ilhéus. Mas mais franja, menos chapéu, Ilhéus anos 20 ou Portugal profundo, diferença era pouca.
Actualmente Ilhéus não tem grande interesse. Contudo, descobri o cenário genuíno da Gabriela ainda intacto a alguns km a Sul. Canavieira. Está lá tudo! Estão lá todos! Os notáveis da vila, os pequenos funcionários, o intelectual de província, o povo remediado de chapéu na mão, o Bataclã, os caciques, enfim a terra onde o tempo não passou. Em Canavieira há até um Café Central, um coreto e melancólicas à janela a ver quem passa com fome de coscuvilhice. Canavieira também viveu do cacau, mas foi um ar que lhe deu. Agora os grandes proprietários dedicam-se à pecuária ou abrem pousadas a beira-mar. Na primeira noite fomos comer ao Café Central. Há uma estrutura intrínseca às vilas de província que nada abala. Um sólido andaime social onde uns poisam e outros se penduram. Numa grande mesa jantavam a grande família da terra. A velha senhora de negro acompanhada das duas filhas e respectivos genros: a que casou bem (por interesse e propriedades contíguas) e a que casou mal (por amor). Na mesa os mesmos rituais num subtil equilíbrio de poder e de humilhação. A que casara menos bem tomava conta do criançame, numa posição ligeiramente subalterna. O marido desta (sabe Deus o que o homem terá passado para conseguir sentar-se aquela mesa) macaqueava com pouco sucesso os códigos internos da família. Tinha como resposta o desprezo altivo da velha senhora e a condescendência mole do cunhado anafado. As filhas da velha senhora estavam ambas loiras, todavia até os tons de loiro se distinguiam no brilho. Passaram pela mesa jornaleiros, empregadas; passou o primo estouvado na mota; passou o tipo do contra roído de inveja e, por pouco, não passou a procissão e o beija-mão. Enfim, nada de novo em Canavieira. Tudo isto num episódio só. Quadros vivos à la Jorge Amado. No dia seguinte visitámos a cidade. Na placa sobre uma obra pública lia-se: Inaugurado pelo Perfeito Moacir Ribeiro. Seguiam-se cinco nomes, dos quais quatro Ribeiros, além da vereadora da cultura Moacira Ribeiro Gonçalves. Coincidência? Sei não, Seu Nacib!
Cena dos próximos capítulos: A bazófia abalara como um peido de fraca intensidade.
Actualmente Ilhéus não tem grande interesse. Contudo, descobri o cenário genuíno da Gabriela ainda intacto a alguns km a Sul. Canavieira. Está lá tudo! Estão lá todos! Os notáveis da vila, os pequenos funcionários, o intelectual de província, o povo remediado de chapéu na mão, o Bataclã, os caciques, enfim a terra onde o tempo não passou. Em Canavieira há até um Café Central, um coreto e melancólicas à janela a ver quem passa com fome de coscuvilhice. Canavieira também viveu do cacau, mas foi um ar que lhe deu. Agora os grandes proprietários dedicam-se à pecuária ou abrem pousadas a beira-mar. Na primeira noite fomos comer ao Café Central. Há uma estrutura intrínseca às vilas de província que nada abala. Um sólido andaime social onde uns poisam e outros se penduram. Numa grande mesa jantavam a grande família da terra. A velha senhora de negro acompanhada das duas filhas e respectivos genros: a que casou bem (por interesse e propriedades contíguas) e a que casou mal (por amor). Na mesa os mesmos rituais num subtil equilíbrio de poder e de humilhação. A que casara menos bem tomava conta do criançame, numa posição ligeiramente subalterna. O marido desta (sabe Deus o que o homem terá passado para conseguir sentar-se aquela mesa) macaqueava com pouco sucesso os códigos internos da família. Tinha como resposta o desprezo altivo da velha senhora e a condescendência mole do cunhado anafado. As filhas da velha senhora estavam ambas loiras, todavia até os tons de loiro se distinguiam no brilho. Passaram pela mesa jornaleiros, empregadas; passou o primo estouvado na mota; passou o tipo do contra roído de inveja e, por pouco, não passou a procissão e o beija-mão. Enfim, nada de novo em Canavieira. Tudo isto num episódio só. Quadros vivos à la Jorge Amado. No dia seguinte visitámos a cidade. Na placa sobre uma obra pública lia-se: Inaugurado pelo Perfeito Moacir Ribeiro. Seguiam-se cinco nomes, dos quais quatro Ribeiros, além da vereadora da cultura Moacira Ribeiro Gonçalves. Coincidência? Sei não, Seu Nacib!
Cena dos próximos capítulos: A bazófia abalara como um peido de fraca intensidade.
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