Brasil Crónicas 15
O Sô Mánoel
Se em Canavieira o primeiro dia foi dedicado a rever a Gabriela live o segundo dia foi para confrontar o conterráquio, isto é o português que parte na mira da árvore das patacas aos saltos de rã: o Portugal no seu pior. No mesmo restaurante da noite anterior, esvaziado de gente apareceu o Sô Mánoel de calções, chinelando, barriga saliente, cabelo branco, bochecha patibular e ar vivaço a coçar as partes como quem carda lã. Ate aqui nada a assinalar.
Se em Canavieira o primeiro dia foi dedicado a rever a Gabriela live o segundo dia foi para confrontar o conterráquio, isto é o português que parte na mira da árvore das patacas aos saltos de rã: o Portugal no seu pior. No mesmo restaurante da noite anterior, esvaziado de gente apareceu o Sô Mánoel de calções, chinelando, barriga saliente, cabelo branco, bochecha patibular e ar vivaço a coçar as partes como quem carda lã. Ate aqui nada a assinalar.
Espevitado, quando não exaltado, andava de mesa em mesa, um pouco como a SIC, em busca de novas audiências. O Sô Mánoel tinha o ar de conquistador (eu sou mais esperto e vivaço que os nativos). Começou por se gabar dos seus bestiais negócios. Nas mesas por onde passava recebia dos canavieirenses monossílabos educados (a arte de não dar conversa). Estava mal com o mundo e com pouca audiência. A coisa tornava-se penosa.
Por falta de interlocutor exaltou-se. Passou da postura simplificadora - estou farto desta merda - para a versão essencial - estou farto desta merda toda! Identifico a origem lisboeta pelo leque de palavrões; algures entre o baile de bombeiros de Campo de Ourique e os salões de Cascais e afinado nas oficinas de Caneças. Admirei o estoicismo dos brasileiros na esplanada. Não perdiam a compostura perante tamanha e ininterrupta grosseria. O Sô Mánoel continuava de mesa em mesa a procura de público.
Nós, indiferentes na medida do possível, jantávamos tranquilamente. O perorar passou dos negócios para a alcova e o nível do discurso começou a descer a um ritmo vertiginoso (acho que ela é sapatão e anda enrolada com a outra que e casada com o outro que acho, de certeza, é veado). No dia seguinte fui informado que era de facto lisboeta, casado com uma paulista rica nos idos anos setenta.
Ah! A febre tropicalista pós 25 de Abril, onde as malas de cartão iam cheias de Companhia das Índias. A brasileira farta de o aturar deu-lhe um dinheirito para fazer uma pousada na praia de Canavieira.
O Sô Mánoel entretanto continuava numa gabarolice, agora sobre as suas performances sexuais. Nas mesas por onde saltitava o acolhimento esfriava a olhos vistos. Foi aí que fomos notados. e passamos a fazer parte da atenção do Sô Mánoel. Quem são aqueles? Nós. Onde estão? Estão cá há muito tempo? Tudo isto em voz off. Porque não estávamos na sua unidade hoteleira? (lembrava a Ponderosa depois da debandada dos Bonanza) A sua voz começou-me a abafar os pensamentos.
Coitados dos brasileiros quantos destes batráquios terão acostado ao Brasil? Se a nossa imagem não está ainda nas lonas é por boa vontade ou distracção dos brasileiros. Perdoem-lhes todas as anedotas sobre portugueses e as canções dos Mamonas Assassinas! Em pano de fundo continuávamos a ouvir histórias de putas, de encornados e das viúvas cediças que comera, ia comer ou que o queriam comer. A componente garanhão é um clássico nestes casos.
Ao pagar a conta falei. Aí o Sô Mánoel topou que eu era mesmo português. Nas minhas costas ouvi um comentário com a qualidade de um escarro. São portugueses! Eu moita. Os gajos são portugueses, insiste. Enquanto esperamos o troco manifesto a maior indiferença, uma forma atenuada de desprezo. O Sô Mánoel enfurece-se. Pelo canto do olho podia ver as chispas e o seu cardar incessante da lã entre as pernas.
E foi aí que bem alto o Sô Mánoel teve a saída da noite. Aqui em Canavieira os portugueses que aparece ou são putas ou pa-na-lairos. Assim mesmo. Atente-se ao A longo como em pentailho, joalho ou coalho a conspurcar o ditongo. Quando me preparo para reagir o Sô Mánoel insiste ainda mais alto numa espécie de vocativo: putas ou pa-na-lairos!
Era a altura de reagir. Mas não foi necessário; Um tipo de óculos na mesa ao lado lançou com invulgar limpidez o atinado comentário: Ôi, Oh Sô Mánoel, o senhor é português, não é não? O homem engasgou-se, disse qualquer coisa que ninguém entendeu. A bazófia abalou como um peido de fraca intensidade.
Quando nos levantámos e passámos pela mesa onde estava (esperei uns instantes para usufruir da deliciosa espessura do silêncio que se instalou na esplanada) o Sô Mánoel estava enfiado na cadeira, reduzida a metade e a cardar devagarinho a lã. Lancei para a geral: Muito boa noite meus senhores e praticamente toda a esplanada retribuíu educadamente.
Se passarem por Canavieira não percam. E um case study, talvez o missink link da teoria da evolução de Darwin.
Cenas do próximo episódio: As nordestinas são esguias, as cariocas são sabidonas (é preciso ter cuidado!).
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial