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de todo mal que se disse só pecou quando foi brando

8.10.06

Brasil Crónicas 17

Léxico - português do Brasil para portugueses

A estupefacção linguística dos brasileiros ao chegarem a Portugal não é comparável com o nosso pequeno desacerto ao chegar ao Brasil. Foram muitos anos a ver telenovelas e filmes da Disney dobrados em brasileiro. Mas será que estamos preparados para o entendimento integral? Claro que não. Julgam que basta saber o que é o café da manhã e o banheiro e estão safos? Pois não estão. Preparem-se, pois fora dos resorts haverá sempre alguém que comente “Oi, você fala muito bem português!” A resposta que se impõe para quebrar o mal entendido é mesmo: "Pois é natural. Eu sou português”. Ao mesmo tempo fechem os olhos com fatalidade fadista e abanem a cabeça para a frente e para trás.

Vejamos alguns casos sem qualquer preocupação sistemática:
Autoclismo é descarga. E se querem por o povão a rir digam mesmo autoclismo pois aos ouvidos brasileiros remete para cataclismo diluviano com arca de Noé, animais e tudo.
Não se registe, cadastre-se
O isopor é mesmo esferovite
Aleijar é mutilar
Distinção utilíssima para separar o universo semântico da transa (sexo) - Você me esta a machucando! - do universo semântico do banditismo – Você não vai aleijar, não?
O moedinhas ou arrumador é o flanelinha. Uma profissão onde, tanto quanto consta, não houve problemas no reconhecimento de diplomas no ultimo acordo de cooperação luso-brasileiro.
A barriga da perna é a batata da perna ou pantorrilha. Continuaremos a lutar pelo direito em ter barriga mesmo que só nas pernas
Bate-chapas – lanterneiro
Cunhas – pistolão - o que denota alguma capacidade persuasiva do sistema de cunhas brasileiro.
Matraquilhos – jogo do pimbolim. Alguma marca brasileira que não atravessou o Atlântico, mas tem uma ressonância um bocado jimbras. “Oh malta, bora ai jogar uma partida de pimbolim!”. A mim não me parece.
Morgue – necrotério
A utilizar quando afinal o pistolão não era em sentido figurado e alguém sai mesmo aleijado do encontro com o jagunço ou o cafageste.
Perdidos e achados. No Brasil – Achados e perdidos.
Não sei o que dizer da inversão dos termos. Se formos pelo princípio de casualidade sou capaz de ter mais hipóteses em Portugal. (perco logo acho). Se seguir outro princípio tenho mais chances no Brasil. Afinal o Descobrimento do Brasil não foi um Achamento? É que está mesmo a dizer. O Brasil foi achado pelos portugueses. (foi achado logo, está perdido)
A história de Hans e Gretel vira a aventura do João e a Maria tão simplesmente. E a casa em vez de ser de chocolate é feita de cocada que é mais rijinha e resistente
Capuchinho Vermelho é o Chapéuzinho Vermelho

Mas a minha diferença favorita entre o português de cá e de lá nem sequer é uma palavra ou conceito, mas sim a tradução do imorredoiro Sound of Music. A Música no Coração em Portugal transforma-se na versão brasileira num título de contornos revolucionários e marcado pela contestação dos anos sessenta. Chama-se, imaginem, A Noviça Rebelde! Tal e qual! A Julie Andrews que não saiba disto, coitada, que passa duas horas de fita com um ar submisso a gramar freiras, crianças, nazis, e o traste do capitão Von Trapp e ainda lhe chamam rebelde. Lá que tugas e brazucas não se entendam com o acordo ortográfico ainda é como o outro, agora a Julia noviça rebelde?! E altura de uniformizar certas coisas. Já!

E para finalizar: torta – rocambole
Digo eu, que isto me parece essencial. Chamarem rocambole a uma coisa que se este mesmo a ver que é uma torta exige um esforço de harmonização. Passei uma parte substancial da viagem a apurar as diferenças de terminologia doceira, desvio normativo dos pontos de açúcar e variações nos ingredientes e feituras. Esta é sem dúvida uma área que exige um maior esforço de cooperação entre os dois países irmãos. Isto somos nos aqui a falar, claro está.


E por aqui me fico. Tchau Brasil

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