Para acabar de vez com o Festival
Desde que um travesti israelita ganhou o festival (Dana International 98) que este passou a ser uma parada de frescura. Não há nada que o possa fazer parar. Nem mesmo a chegada de duzentos países de Leste pode mudar esta marcha inexorável. São vestidos que se mudam em cena e se encurtam. São cabeleiras que se agitam ao vento. São coreografias a despropósito e, a última moda, são os fogos de artifício. No primeiro refrão já está tudo visto e dito. A encenação serve para manter a plateia entretida durante os intermináveis três minutos. Na era do parecer em vez do ser o festival propõe encanto em vez de canto.
Há dois géneros de canções ditas sérias. As primeiras: “eu preciso já de Prozac!” e as segundas: “eu estou já a tomar Prozac”.
As primeiras são cantadas por mulheres sofridas, cheias de amores desenganados. No festival contemporâneo elas gritam, desgrenham-se, tocam guitarras eléctricas ou desancam tambores. Trazem a roupa e a alma aos farrapos. Não há pathos que lhes chegue. São as cantoras cujas fotos fazem lindos calendários de garagem (Moldávia, Croácia). Ultimamente estas mulheres desesperadas agarram-se aos dançarinos que, de tão assumidos que são, já não dão consolo a ninguém, nem mesmo a eles próprios. Os poucos heterossexuais assumidos que aparecem no palco (República Checa, Islândia) são roqueiros de terceira água residual não tratada pela ETAR mais próxima, ou/ e uns sebosos com a estafada canção do bandido (Arménia). O festival aqui aproxima-se perigosamente dos romances da Margarida Rebelo Pinto. Assim se explica a vitória dos Lordi o ano passado. Os homens são uns monstros.
O segundo género, onde se inscreve a canção da nossa Sabrina (não o bate, escova, aspira, mas sim a mocinha que nos representou este ano), canta a alegria desmiolada, la-la-la eu sou feliz, anda daí, la-la-la, vem ser feliz comigo, amiguinho. Ora se isto ainda funcionava há quarenta anos, agora os tempos são outros. São as canções “que bem que me estou a dar com o Prozac". Dentro do género ninguém bate a Manuela Bravo que “vive a sonhar, não pensem mal de mim, quanto mais não vale viver a vida assim”. Não é por acaso que um grande sponsor do certame deste ano era uma empresa de branqueamento de sorriso (é tudo verdade). Tinha um stand no centro da cidade e vários nos corredores da Arena.
Há duas maneiras de olhar para o Festival. Levar a sério ou levar para a palhaçada. Há ainda a terceira via do Tony Blair, que aqui também se aplica, isto é, levar a palhaçada a sério.
Quem leva a palhaçada a sério? Os membros dos clubes de fans que não faltam a uma e partem em transumância para onde o festival se organiza. São tal, como Blair, os que trocaram há muito a realidade por um espectáculo. São os que vestem a camisola. São os que agitam a bandeira mesmo quando o espectáculo é muito mau. São os imorredoiros festivaleiros.
Nao é um fenómeno isolado. Muitos há na sociedade ocidental que há falta de outra coisa se agarram à espuma das ondas. Os que levam a palhaçada a sério são também os que esperam horas pelo autógrafo da Floribella no Outlet de Alcochete. São os que constroem a sua identidade porque são o sócio número não sei quanto do clube e vão atrás da equipe para os ver jogar a Pequim contra pandas num jogo amigável. São os que abancam toda a noite a porta do shopping para comprar o novo Harry Potter. São os que vivem na Guerra das Estrelas. São os adolescentes, os que queriam ainda ser adolescentes, porque isto de crescer é uma chatice.
No caso dos festivaleiros há uma curiosa combinação de gerações. Há o grupo dos cinquenta anos. Os que viveram a adolescência nos anos de ouro do festival e a nova geração de vinte que apanhou a renascença do festival como espectáculo kitsch. Os negros anos de oitenta e noventa são um hiato nos incondicionais de festivais.
Uma vez que o mundo é complexo e hostil mais vale trocá-lo por um interminável festival. Como os fetichistas que trocam o acto pela cueca de renda vermelha.
Os festivaleiros como todos os outros fans, formam tribos, criam rituais e têm tendência a funcionar em circuito fechado; por oposição ao futebol que funciona em circuito aberto. Semelhante, só mesmo as tertúlias tauromáquicas (do Montijo, de Almeirim, da Moita, de Santarém, etc.) cheios de cartazes e cabeças de touros empalhadas onde os forcados amadores barrigudos e de patilha farfalhuda se enfrascam, cantam as glórias passadas e comem chouriça assada. Tendo eu vivido no Ribatejo sei do que falo. Passei directamente do machismo histérico para o universo da histeria pura e simples.
Que fazer? Acabar com a coisa? Impossível! Este ano ganhou a Sérvia com uma canção toda sofrida, bem cantada e muito chata. Mas o camp estava lá! Em estado puro e ficou em segundo lugar! Verka Serduchka e o Danzing Lasha Tumbai. E eu estive lá, a dar ao braço e ao barrete. Eu dancei o Lasha Tumbai antes, durante e depois! E o que eu me diverti não tem explicação. Escrevam Verka Serduchka na pesquisa do Youtube que vão ver o efeito.
Há dois géneros de canções ditas sérias. As primeiras: “eu preciso já de Prozac!” e as segundas: “eu estou já a tomar Prozac”.
As primeiras são cantadas por mulheres sofridas, cheias de amores desenganados. No festival contemporâneo elas gritam, desgrenham-se, tocam guitarras eléctricas ou desancam tambores. Trazem a roupa e a alma aos farrapos. Não há pathos que lhes chegue. São as cantoras cujas fotos fazem lindos calendários de garagem (Moldávia, Croácia). Ultimamente estas mulheres desesperadas agarram-se aos dançarinos que, de tão assumidos que são, já não dão consolo a ninguém, nem mesmo a eles próprios. Os poucos heterossexuais assumidos que aparecem no palco (República Checa, Islândia) são roqueiros de terceira água residual não tratada pela ETAR mais próxima, ou/ e uns sebosos com a estafada canção do bandido (Arménia). O festival aqui aproxima-se perigosamente dos romances da Margarida Rebelo Pinto. Assim se explica a vitória dos Lordi o ano passado. Os homens são uns monstros.
O segundo género, onde se inscreve a canção da nossa Sabrina (não o bate, escova, aspira, mas sim a mocinha que nos representou este ano), canta a alegria desmiolada, la-la-la eu sou feliz, anda daí, la-la-la, vem ser feliz comigo, amiguinho. Ora se isto ainda funcionava há quarenta anos, agora os tempos são outros. São as canções “que bem que me estou a dar com o Prozac". Dentro do género ninguém bate a Manuela Bravo que “vive a sonhar, não pensem mal de mim, quanto mais não vale viver a vida assim”. Não é por acaso que um grande sponsor do certame deste ano era uma empresa de branqueamento de sorriso (é tudo verdade). Tinha um stand no centro da cidade e vários nos corredores da Arena.
Há duas maneiras de olhar para o Festival. Levar a sério ou levar para a palhaçada. Há ainda a terceira via do Tony Blair, que aqui também se aplica, isto é, levar a palhaçada a sério.
Quem leva a palhaçada a sério? Os membros dos clubes de fans que não faltam a uma e partem em transumância para onde o festival se organiza. São tal, como Blair, os que trocaram há muito a realidade por um espectáculo. São os que vestem a camisola. São os que agitam a bandeira mesmo quando o espectáculo é muito mau. São os imorredoiros festivaleiros.
Nao é um fenómeno isolado. Muitos há na sociedade ocidental que há falta de outra coisa se agarram à espuma das ondas. Os que levam a palhaçada a sério são também os que esperam horas pelo autógrafo da Floribella no Outlet de Alcochete. São os que constroem a sua identidade porque são o sócio número não sei quanto do clube e vão atrás da equipe para os ver jogar a Pequim contra pandas num jogo amigável. São os que abancam toda a noite a porta do shopping para comprar o novo Harry Potter. São os que vivem na Guerra das Estrelas. São os adolescentes, os que queriam ainda ser adolescentes, porque isto de crescer é uma chatice.
No caso dos festivaleiros há uma curiosa combinação de gerações. Há o grupo dos cinquenta anos. Os que viveram a adolescência nos anos de ouro do festival e a nova geração de vinte que apanhou a renascença do festival como espectáculo kitsch. Os negros anos de oitenta e noventa são um hiato nos incondicionais de festivais.
Uma vez que o mundo é complexo e hostil mais vale trocá-lo por um interminável festival. Como os fetichistas que trocam o acto pela cueca de renda vermelha.
Os festivaleiros como todos os outros fans, formam tribos, criam rituais e têm tendência a funcionar em circuito fechado; por oposição ao futebol que funciona em circuito aberto. Semelhante, só mesmo as tertúlias tauromáquicas (do Montijo, de Almeirim, da Moita, de Santarém, etc.) cheios de cartazes e cabeças de touros empalhadas onde os forcados amadores barrigudos e de patilha farfalhuda se enfrascam, cantam as glórias passadas e comem chouriça assada. Tendo eu vivido no Ribatejo sei do que falo. Passei directamente do machismo histérico para o universo da histeria pura e simples.
Que fazer? Acabar com a coisa? Impossível! Este ano ganhou a Sérvia com uma canção toda sofrida, bem cantada e muito chata. Mas o camp estava lá! Em estado puro e ficou em segundo lugar! Verka Serduchka e o Danzing Lasha Tumbai. E eu estive lá, a dar ao braço e ao barrete. Eu dancei o Lasha Tumbai antes, durante e depois! E o que eu me diverti não tem explicação. Escrevam Verka Serduchka na pesquisa do Youtube que vão ver o efeito.
Cliquem aqui para ver nova versão de Lasha Tumbai
E já gora uma sugestão para uma próxima participação,nacional, porque o kitsch é por definição mau gosto e o camp é acessoriamente blasfémia. Começámos com a Oração do António Calvário em 1964, acabávamos assim. Garanto que ninguém nos esquecia.
E já gora uma sugestão para uma próxima participação,nacional, porque o kitsch é por definição mau gosto e o camp é acessoriamente blasfémia. Começámos com a Oração do António Calvário em 1964, acabávamos assim. Garanto que ninguém nos esquecia.
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial