TIREM-ME DESTE FILME

de todo mal que se disse só pecou quando foi brando

10.9.06

Imagens do Senegal 2

O que faz com que milhares de africanos (muitos senegaleses) se disponham a subir o Atlântico em embarcações que não passam de grandes e oscilantes pirogas? O tempo que passei em Mbour, o grande centro de pesca do país, foi no mínimo esquizóide. De manhã os barcos partiam para a pesca. À tarde voltavam. Ao entardecer a lota animava-se (as imagens de postal ilustrado). À noite, nos noticiários europeus, os mesmos barcos, as mesmas pessoas mas desta vez amontoadas, famintas e assustadas, queimadas e desideratadas, algumas moribundas (as imagens choque dos noticiários). E os jornalistas a fazer o inventário, como na lota. Números sem expressão. factos sem contexto. Ontem 650, hoje 700, já um recorde.

Segundo um relato de uma francesa radicada no país, estes como todos os pescadores não têm medo do mar. São obrigados a ir buscar o peixe cada vez mais longe. De ano para ano a pesca torna-se mais difícil, rara. Que faz um pescador sem peixe? Mete-se ao mar e vai mais além. Alguns para partir, outros para fazer passar compatriotas. As praias do Senegal são mais que praias.

Um barco cheio de potenciais emigrantes navegou durante dez dias em circulos. Finalmente o capitão aproximou-se da costa "Olhem! Ali é a Europa. A costa espanhola. Fim da viagem. Terão que fazer os últimos metros a nado" Deixados ali homens e mulheres nadaram até à praia. Descobriram consternados que afinal estavam a pouco kms do ponto de onde tinham partido, numa praia com turistas. Podem imaginar o choque, a humilhação quando regressaram às suas casas? Eu não. As praias do Senegal são mais que praias.




Tudo isto me parecia uma história de indignidade e desespero. Mas continuava sem resposta. Porque partem?

No dia seguinte o mar encheu-se de peixes. As ondas tinham o reflexo da prata. As ondas traziam a pouco e pouco centenas de peixes mortos (quase todos) e moribundos (muito poucos). Primeiro alguns milhares depois centenas de milhar. Quando a mare vazou ficou uma correnteza de peixes em zigue-zague na areia numa extensão superior a trinta kms.


No primeiro dia vieram pessoas apanhar algum peixe. Depois os animais, cães, cabras, pássaros a roer as entranhas dos peixes. Depois mais nada., nem mesmo moscas. Apenas nós, os veraneantes, a fazer gincanas entre as linhas de peixe. Não, não era um fenómeno natural, ou um tsunami de peixe. Navios de pesca-fábricas chineses ou japoneses de armadores que celebraram contratos chorudos com as autoridades do país "limpam" o mar do Senegal regularmente. Limpam até ao fundo. colhem tudo. depois a bordo é feita a triagem . Os peixes maiores, de valor comercial, são amanhados e refrigerados. Os peixes pequenos são despejados no mar. Há um terrível eufemismo técnico para esta prática "devolução ou rejeição das capturas acessórias".


Os barcos-fábrica partem entretanto outros mares. Regressam com a regularidade das pragas. As comunidades dependentes da pesca ficam literalmente a ver navios. Esperam que os mar recupere. Esperam até ao próximo acordo entre um país qualquer e o Ministério em Dakar para o qual não há controlo nem responsabilização. Uns esperam, outros partem e finalmente alguns largam a pesca e transportam gente.


O que eu vi à beira-mar durante três dias eram afinal capturas acessórias. Pode esta vaga de peixes não ser a causa principal para o que se passa nas Canárias, mas não lhe é de todo alheia. As praias do Senegal são certamente mais que praias. Este é mais do que m slogan turístico.


0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial