TIREM-ME DESTE FILME

de todo mal que se disse só pecou quando foi brando

2.7.06

A minha falhada fuga ao futebol

Mas o que que é isto? Os transportes voltam a subir, Israel está a dar cabo do resto e o Bush continua a torturar em Guantanamo e só me sabem falar de futebol? Voltei à alienação de 66, quando era obrigado a ver os jogos, quando não saber o nome dos Magriços (incluindo os suplentes) era falta de patriotismo, quando o meu pai nos deixava de chatear e berrava ora para a televisão ora para nós numa ameaça intermitente (e havia mais gente a berrar na sala pois no prédio éramos os únicos com televisão) e quando o meu irmão me enchia de porrada porque eu não mostrava formas de alegria descontrolada por cada golo do Eusébio, prometi a mim mesmo: Quando for grande não quero saber de futebol! Fiz um esforço. Deus sabe que fiz! E Deus não me deixa mentir. Mesmo que digam que Ele está em toda a parte, a este hora ainda deve estar a rever os vídeos dos penalties e a comentar “Mas que bem que nós aqui estivemos!” Pois é. Eu tentei fugir ao futebol mas informo-vos em primeira mão: Falhei. Fiz um esforço. Mas falhei no prolongamento do jogo. A adolescência ainda se passou sem sobressaltos mas quando comecei a trabalhar o cerco apertou-se. Os turistas perguntavam-me o resultado dos jogos, mas havia sempre um motorista ou guarda de museu informado por perto.
O pior veio depois, quando comecei a viajar fora de portas e mais tarde ainda quando me instalei em Bruxelas, julgando que isto era gente pacata. A Bélgica, caso ainda se lembrem, teve a triste ideia de organizar com a Holanda uma desses eventos com muitos países e deixou de haver descanso. Um dia eram os italianos, no dia seguinte os franceses, no fim de semana os espanhois aos apitos, gritos, buzinadelas e a agitar bandeiras dos carros, porque a capital da Europa tem também as suas desvantagens. Fugi para a Itália mas foi um erro de palmatória. Regressei a casa no o timming errado. A Itália jogava à hora em que o meu avião devia deslocar . Uma hora depois (houve prolongamento) começaram a sair os primeiros aviões que momentos antes estavam na sua grande maioria pregados ao solo por “razões técnicas”. A Itália foi entretanto eliminada nesse mesmo jogo. Nunca se tinha visto um aeroporto tão em estado de sítio. Mas nem tudo foi mau. Aprendi imenso vocabulário novo, sobretudo do inesgotável universo das interjeições italianas. Quando chegou o tão anunciado Euro-2004 peguei nas malas e fugi para a Turquia. Desta vez confirmaram-me que a Turquia não participava. Refugiei-me numa ilha pequenita para garantir algum sossego. Tendo a ilha sido grega (Tenedos) e agora turca (Bozgaada) as duas comunidades juntavam-se na praça principal a vêr os jogos numa esplanada infinita. Os turcos torciam por Portugal. Coisas lá deles, pensei, ou talvez a côr do equipamento nacional lhes lembre a bandeira turca. Foi aí que tive uma revelação mais devastadora que Santa Teresa de Avila (e sem estigmas nas mãos). Explicou-me uns grupo de turcos luso-entusiastas que Ronaldinho, Ronaldão e Cristiano Ronaldo não são uma única só pessoa. Ai não? Envergonhado e riducularizado, mas felizmente longe da pátria para não haver testemunhas incómodas. Entretanto iam-me chegando notícias do meus país. O vento não calava a desgraça. O vento tudo me disse: As ruas por aqui estão cheias de bandeiras! As fachadas estão cobertas com as quinas! Na versão chinesa da bandeira nacional as ameias dos castelos rematam como pagodes!! Mas o pagode maior estava ainda para vir e não era futebolístico.Ao folhear um jornal turco li: “Durão Barroso gitir não sei o quê Europaya”. Telefonei alarmado para Lisboa e a noticia confirmava-se. O nosso primeiro ia mesmo gitir não sei quê Europaya; e Portugal estava na final! Deixara o meu país e os pagodes encadeavam-se agora a ritmo vertiginoso. Por acaso o jornal turco teve a caridade de não me revelar o sucessor. Fui assim poupado ainda durante alguns dias a outra vergonha com pernas. Assim, exilado, sempre em busca de uma free-football-zone, habituei-me à clássica reacção: “Where are you from? Portugal!! Claro Figo, off course Cristiano Ronaldo, pois, pois. Obrigado. Thank you. Great. Do melhor!” E tem sido assim em todo lado para onde me viro. No Egipto, na Tailândia e na Europa nem se fala, ou melhor todos me falam da nossa selecção. Mas afinal não tinham sido os gregos a ganhar aquela gaita? Não há ninguém que se lembre do nome dos gregos? Alguém me explica porque é que essa gente não esá neste Mundial?
Recentemente, num curso de línguas onde evitei enquanto pude o “where are you from?”, o professor insidiosamente escolheu um texto sobre a imoralidade dos contratos milionários no futebol com o Figo à cabeça. E acha isto bem? Perguntou com aquele ar de superioridade moral dos nórdicos. Não tive remédio e respondi: “Se fosse o Figo achava até muito bem.” A ilustrar o texto uma grande fotografia do Figo no momento que foi transferido para Espanha para ganhar mais por cada respiração que nós até ao último suspiro. Figo que, aliás, voltei a encontrar a cores na Polónia em maiorzito, a cobrir a fachada de um prédio de seis andares numa rua comercial a fazer publicidade a uma marca de sapatilhas. Tantas vezes tenho visto o Figo em revistas e jornais estrangeiros que já pensei até contactar o MNE para que ele tome o lugar das Tágides atamacadas que temos no verso da capa dos nossos passaportes (nem todos, mas infelizmente eu tenho um exemplar). Daria menos chatices nos aeroportos, designadamente nos países muçulmanos onde é tão difícil explicar porque raio escolheram como figuração nacional uma fulanas de mamas ao léu a empurrar um barco e num desenho tão foleiroso!
Mas o pior estava para vir. A onda das bandeiras ultrapassou as fronteiras nacionais. Chegou em força a Bruxelas. Ao atravessar a cidade descubro que há portugas a viver nos lugares mais insuspeitos e em grandes quantidades. Ultrapassamos de longe as bandeiras espanholas, brasileiras e italianas (juntas!). Mas o último bastião da minha resistência está a ruir! Consegui aguentar estes muitos e longos anos sem ver os jogos. Queria manter-me fiel à minha resolução do passado. Primeiro, como já devem ter reparado nao gosto de futebol. A minha indiferença infantil ao futebol de 1966 , transformou-se agora numa angústia indizível, um sofrimento atroz, uma osmose doentia com as pessoas apanhadas pela futebolite. Ficar indiferente é-me impossível, mesmo carregado de Xanaxes. A opção é, nestas ocasiões críticas, tirar umas valentes sestas até ser acordado pelas buzinas, pois tal como a noite segue ao dia, a buzinadela segue ao jogo. Foi, aliás, no último jogo com a Holanda que a situação se tornou verdadeiralente calamitosa. O Patrick no primeiro andar decidiu por qualquer má vibração vêr a contenda, a partida, a batalha campal ou lá o que era. Tive, por conseguinte direito a um relato em diferido do patamar das escadas entremeado por muitos Oh la la! (os francófonos gostam de substituir um leque variado de interjeições por Oh la la!). Pelo relato julguei que estavam a jogar à amarelinha, ou assim parecido. Chegavam-me continuamente gritos da escada. O Figo está às cabeçadas a um jogador. Oh la la! Foi mais um expulso! Um português? Não um holandês. Não um português. Não um holandês. Oh lala! Mais um cartão amarelo. Não vermelho. Não amarelo. Oh la la! E assim por diante e, neste caso concreto, até a vitória final.
Depois disto os dias tornaram-se difíceis, mesmo muito difíceis.Tenho quarenta canais em dez línguas diferentes. Desisti todavia de zapar. Mais de metade dos canais fala (com entusiasmo) do Maniche, do Costinha e do Deco. Na rua onde moro já me perguntaram quando é que eu ponho a bandeira à janela? Até este blog que tinha como intenção falar de viagens. Mas nunca de futebol! Em busca de alguma (vã, bem sei) simpatia, descobri consternado que vou estar a trabalhar em França no próximo dia cinco ( para quem ande mesmo, mesmo distraído o dia do Portugal/ França). Aconteça o que acontecer não vou ter sossego. Mais buzinas, mais gritos, mais bandeiras. Esse resultado assustador ao menos está assegurado. Dou-me portanto por vencido. Em 66 quando informei com determinação infantil: Quando for grande não quero saber de futebol! não podia imaginar a dimensão do fracasso! É assim que de vitória em vitória a nossa selecção destroi irremediavelmente o meus sonho de infância.Outros querem ser astronautas, toureiros e cientistas. Eu tinha só esta modesta pretensão. Parecia um objectivo tão fácil de concretizar. Mais fácil que um golo numa grande penalidade defendido por um guarda-redes em coma alcoólico. Ainda não cladiquei interamente. Ah não! Ainda não vejo os jogos, mas confesso, depois dos jogos de Portugal vou a correr ver os resumos da partida e tal como Deus, que presumo continua em toda a parte, murmuro de mim para mim: “Mas que bem que nós estivemos!”

2 Comentários:

Às segunda-feira, 10 julho, 2006 , Anonymous Anónimo disse...

Como te compreendo popeline do chico !
Nao tive como tu pretensoes "de infância" de nao ligar ao futebol porque de facto là em casa NINGUEM ligava ao futebol (a nao ser uns tios e primos que jogavam no Sporting: mas nao eram nem bemvindos nem bemvistos, de modo que...!)tive mais sorte que tu, em suma.
Mas fiquei drásticamente indiferente a tal desporto (que costumava chamar e agora vou passar a chamar sempre "anti-desporto): é assim como se tivesse levado uma vacina anti - com três rappels !!!

Entao este campionato fez-me lembrar mais que nunca o "deem-lhes pao e circo" do Julius, e desgostou-me de vez até de certas figuras emblemáticas (de mim conhecidas só porque, como dizes mt melhor que eu, nao se pode ignorar o que nos querem enfiar à força pelos cornos adentro),e que apesar de pertencerem a esse mundo merdoso, me eram simpáticas...

E dizes bem, é como a marabunta, passa por todo o lado: olha eu : tendo-me escondido num cantinho remoto de "banlieue", a muitos quilómetros da civilizaçao, com um jardin qui sentait bon le bassin parisien, qual nao foi o meu espanto quando a meio da tarde comecei a ouvir outra coisa muito diferente do chilrear da passarada que até àquela hora me tinha acompanhado na santa sesta... fiquei a saber que havia , ALI precisamente, e à roda também, por todo o lado de facto, colónias e colónias de "marabuntas" tugas, que berravam como leitoes degolados
e botados em água a ferver e que se precipitaram para os seus carros para irem apitar para a rua ... ora se fossem apitar para a pata que os pôs !!! E lá se foi o meu sossego...
(Nessa noite nao houve meio de adormecer porque a seguir aos leitoes, as marabuntas francesas foram para a rua também, berrar como vitelos e apitar à qui mieux mieux... pouca sorte a minha!)

Deixa lá, popeline, se nos agarrarmos os cotovelos (hein ? que dizes ? literal ? ké iço ?) continuaremos de olhos fechados para o futebol, ouvidos moucos para o futebol, e continuaremos a interessarnos por coisas e causas muito mais simpáticas e enriquecedoras ... como por exemplo o teu blog ! Ke é fantástik!
Merk

 
Às segunda-feira, 10 julho, 2006 , Blogger popeline disse...

Caro Merk
É com grande satisfação que vejo que não estou só neste mundo. Sim, sim. Ontem ainda adormeci com uma zoada semelhante à batalha de Waterloo, mas mais desvairada. Os italianos desceram à vila. E dou-me por muito satisfeito por não estar em Itália, onde, segundo fontes fidedignas, lançam (muitos) foguetes antes, durante e depois da festa. Hoje de manhã na chafarica onde costume comprar o pão o tipo da caixa estava embrulhado numa bandeira gigantesca da Itália. Depois de tropeçar por diversas vezes, pôs a bandeira à cintura e depois por cima da caixa registadora, à falta de sítio melhor Buster Keaton não teria feito melhor. Mas agora acabou-se. Uf! Enquanto não houver mais um inenarrável campeonato posso continuar posto em sossego e tu, caro Merk poderás voltar a ouvir a natureza. Como tu dizes é preciso agarrar (ou mesmo serrar os cotovelos). Muito obrigado pelas palavras simpáticas ao blog. Por enquanto ainda não é verdadeiramente cáustico. Não quero assustar a passarada. Mas terei todo o gosto de continuar a trocar impressões sobre a sandice colectiva, que infelizmente não se limita ao futebol. O meu mail é goulaoo@hotmail.com. Não é segredo, mais ainda não tive tempo de o pôr no blog. Terrível esta linguagem HTML! Até breve. deste que se assina Chico da popeline

 

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